“Iririu” é mais do que uma palavra; é um convite. Para André Prando, cantor e compositor capixaba, “Iririu” é um cumprimento mágico, um código de conexão e celebração, com raízes profundas na cultura local. Nesta sexta-feira (12), Prando lançou seu mais novo álbum, Iririu, uma obra com 11 faixas que leva o ouvinte a uma jornada pessoal, onde as emoções se misturam com ritmos e sonoridades que refletem a pluralidade do artista.
“Iririu”, apesar de uma palavra alegre, descontraída e curiosa, representa a identidade de uma comunidade e no álbum quis afirmar uma homenagem e o orgulho de uma palavra de origem capixaba.”, conta o artista.
O álbum é um verdadeiro mosaico musical. Embora Prando seja conhecido por seu estilo psicodélico e visceral, o projeto se destaca pela diversidade rítmica, viajando por gêneros que vão do reggae ao baião, da bossa ao tango, do congo ao blues. Essa mistura ousada de ritmos mostra a maturidade artística do capixaba, que aos 34 anos, parece mais à vontade do que nunca para explorar novos territórios sonoros.
Para entender mais sobre o processo de criação desse disco, batemos um papo com André e falamos sobre o conceito, as dificuldades e desafios durante as músicas e todas as referências incluídas nesse projeto.
O que inspirou o título “Iririu” para o seu novo álbum? Há algum significado especial por trás dessa palavra?
Eu curto títulos curiosos, misteriosos e instigantes. “Iririu é uma palavra mágica do Brasil, misteriosa em sua origem, vitoriosa pela forma viva que fluiu (…) é um cumprimento, um salve inebriante, um grato axé” – depois de uma introdução apoteótica com trombetas estrondosas, é assim que abro o disco e começo a dar as primeiras palavras da canção. “Iririu” tem uma origem longínqua e misteriosa, é uma palavra capixaba. Não sei te dizer como começou essa história, mas meu contato com a palavra se deu em 2010 quando entrei na Ufes, naquela época, eu via e ouvia muito a galera usando essa expressão como um cumprimento nos prédios de artes. Nessa época, havia um encontro semanal que se chamava “Fogueirinha Vibe” – que também cito na música – o pessoal se juntava para trocar ideia, fazer um som, psicodelizar, curtir a fogueira e curtir a vibe. Aquele, era um momento em que eu ouvia as pessoas se cumprimentando com a palavra “Iririu” e sentia que vivia experiências que considero vivências “Iririu”.
Na década de 90 e anos 2000, tinha uma galera que ia acampar em Matilde e pegava carona de trem ou cruzava cidades de bicicleta para curtir a natureza e as cachoeiras, pelo o que ouço das histórias, essas pessoas e essas vivências deram origem ao Iririu. Usar “Iririu” como nome do álbum e como tema para uma música é uma forma de homenagear e afirmar parte da nossa história e da nossa identidade pro mundo.
“Iririu”, apesar de uma palavra alegre, descontraída e curiosa, representa a identidade de uma comunidade e no álbum quis afirmar uma homenagem e o orgulho de uma palavra de origem capixaba. Anos antes de ter contato com a palavra, muitas pessoas já usavam e se identificavam com esse cumprimento, logo, passei a usar bastante também, inclusive em minhas circulações e achei interessante contar essa história, como uma lenda, citando personagens importantes na história da palavra e da cultura Iririu. A música “Iririu” soa divertida, mas traz referências de um universo rico, tentando explicar algo novo, apresenta um cenário imagético, uma das referências nessa intenção foi Jorge Ben cantando sobre Hermes Trismegisto e a Táboa de Esmeralda, de forma didática, misteriosa e convidativa. A partir dessa afirmação de identidade, o disco segue destrinchando cuidadosamente o meu íntimo, aproximando minha música de quem sou eu como pessoa.
Você mencionou que este álbum reflete uma mudança estética e conceitual em seu trabalho. Pode nos falar mais sobre como essa transformação se manifestou nas suas composições e no processo de produção?
Nesse álbum quis aproximar a minha música de quem sou como pessoa. Eu consumo muitas referências diferentes e frequento samba, rock, reggae, jazz, forró, balada… porque minha música não expressaria essa pluralidade? Então, parti daí e tivemos o cuidado de produzir o álbum com uma narrativa bem conectada, tem diferentes climas, diferentes momentos, e é a minha forma de passar por esses diferentes gêneros, sem forçar uma barra, sem caricatura.
Acho que em relação aos trabalhos anteriores, soa diferente e ao mesmo tempo há conexão. “Voador” (2018) tem uma pluralidade que me agrada bastante e de uma forma geral soa bem rock, talvez essa seja a maior diferença, em Iririu tem menos rock, é mais diversificado, mais latino e mais Brasil tropicália, as letras são mais diretas e, ainda assim, bem profundas. Produzir o álbum em minha cidade contribuiu e possibilitou acessar os profissionais e as estruturas necessárias para fazer tudo da forma mais confortável possível.
“Kaluanã, o grande guerreiro” parece ter uma conexão pessoal e cultural profunda. Como a influência da região do Caparaó e da obra de Ailton Krenak moldaram essa música?
Escrevi “Kaluanã, o grande guerreiro” inspirado no filho de um casal de amigos, Marcinho e Esplendor, que moram no Caparaó, uma região de montanhas do Espírito Santo que me inspira e energiza muito. Eles tem a mágica hospedaria “Aldeia Alegria” onde eu costumo ficar hospedado. Kaluanã, que em tupi-guarani significa “o grande guerreiro”, tem 4 anos e em uma das minhas estadias por lá vi ele dando os primeiros passos e falando as primeiras palavras. Comecei a compor lá mesmo uma canção com reflexões sobre a natureza, sobre a noção de unidade energética e vital no planeta. Lembro que, além de inspirado pelo Caparaó em si, me senti bem inspirado por textos do escritor Ailton Krenak que estava lendo.
Em uma segunda etapa, já de volta pra casa, incrementei na composição uma vontade que eu tinha de escrever algo dedicado à um filho e, como não tenho filho, pensei em escrever homenageando à família de amigos como observador, mas me inserindo na família, que eles, com muito carinho, realmente me fazem sentir. Assim, Kalu (seu apelido) se tornou o personagem central. Na música, eu falo da jornada de aprendizados da infância e em seguida do processo eterno de aprendizados na vida adulta também, sempre fazendo paralelos com elementos da natureza.
Na etapa final, quando já achava que a música estava finalizada, fui surpreendido durante uma viagem que fiz sozinho pela Argentina e Uruguai em 2023. Visitei o Museu de Arte Latino-Americano de Buenos Aires, onde eu sabia que tinham obras brasileiras originais lendárias, como a Abaporu. Nessa época eu já estava sentindo e tentando internalizar uma noção de espírito latino mais presente em minha vida e, consequentemente, querendo levar isso para o meu novo álbum que já estava no processo e do lado da Abaporu estava exposto o Manifesto Antropófago, escrito por Oswald de Andrade. O texto que instiga o Brasil a valorizar a própria cultura e desenvolver uma identidade própria usa o símbolo da antropofagia, no sentido do homem se alimentar do próprio homem, ideologicamente e culturalmente. Isso porque na época era muito comum o Brasil se basear nos modelos europeus de literatura, arte, cultura etc. um fruto do colonialismo. Uma das famosas frases é “Tupi or not tupi? That’s the question”, que já conhecia e sempre achei uma sacada genial, mas naquele momento eu pensei imediatamente no tupi da minha composição, Kaluanã, e sua eterna jornada de aprendizado a partir das próprias experiências, o homem ensinando o homem, o desenvolver de uma identidade própria em meio à vida das montanhas. Assim, fez muito sentido pra mim inserir um momento final na composição citando essa frase e amarrando essa minha experiência pela estrada com “Kaluanã, o grande guerreiro”. Um é todos numa só voz.
“Frágil” aborda o tema da vulnerabilidade. O que motivou você a explorar esse aspecto das emoções humanas e como você acha que os ouvintes vão se conectar com essa música?
O produtor do disco, Rodolfo, disse que “Frágil” é uma das “clássicas baladas prandísticas”. Ele já produziu outros trabalhos meus e sabe que sempre tem um lugar pra uma balada assim nos meus projetos. Essa música tem um clima bem introspectivo, de pianos e orquestração, é uma música que fala sobre o poder que existe em reconhecer a nossa fragilidade. Particularmente, compus na época do fim de um casamento, um momento de muita fragilidade, dor, necessidade de análise, processamento e, claro, recomeço. Naturalmente, como sempre, escrevi de forma que as interpretações pudessem ser infinitas, são muitas as circunstâncias em que nos sentimos perdidos, percebendo a necessidade de mudar a rota, de repensar, de recomeçar. Nada é constante, não tem jogo ganho, a vida é uma aventura, frágil como uma bomba.
A arte tem o poder de conectar as pessoas de formas infinitas, o ouvinte pode estar passando por uma situação parecida com a que eu passei para compor ou pode estar passando por outra situação, mas aquelas palavras confortam ela, possibilita que ela crie outras ideias, outros rumos. Se enxergar no outro é um consolo, um abraço, às vezes até ajuda a gente a resolver alguma questão, às vezes a música coloca em palavras e emoção algo que o ouvinte não está conseguindo processar ainda. Acho que essas são algumas das formas que “Frágil” pode conectar com o ouvinte.
“Voltinha de bike” combina afrobeat, reggae e uma homenagem a Albert Hoffmann. Pode nos contar mais sobre a inspiração por trás dessa faixa e como você incorporou esses elementos musicais?
Sou uma pessoa que tem a bicicleta como meio de transporte principal, ando de bike diariamente já que a ilha de Vitória, onde moro, tem ciclovias por toda cidade e sempre quis escrever uma música que falasse sobre essa experiência. Tem coisas na letra que são bem imagéticas, como parar no meio da ponte pra assistir um lindo pôr do sol lisérgico e ao mesmo tempo que ela fala da bicicleta como transporte, ela está falando também da bike, o LSD. Quando Albert Hoffman, o cientista que criou o LSD, fez os primeiros experimentos, ele experimentou uma super dosagem, foi para casa de bicicleta e no trajeto teve uma grande viagem psicodélica. Isso aconteceu em 19/04/1943, às 16:20h, e ficou conhecido mundialmente como o Dia da Bicicleta. Posteriormente, criaram o LSD chamado Bike, em homenagem à história do Hoffman.
A contracultura, a psicodelia e a cultura hippie me interessam muito, de alguma forma sempre estiveram presentes em minha obra. Então, escrevi essa música com duplo sentido com uma batida afrobeat, bem inspirado na onda Fela Kuti. Maturei a vontade e a ideia de fazer essa música por muitos anos, sempre quis concretizá-la e fazer isso nesse álbum me pareceu o momento perfeito, já que é um disco que mergulha em minha identidade pincelando diferentes referências, ela dá um tempero psicodélico, divertido e profundo. Nada é banal.